Tabela Price e capitalização de juros

A Tabela Price é um sistema de amortização bastante utilizado nos financiamentos imobiliários, sejam eles concedidos por instituições financeiras ou diretamente pelas próprias empresas do segmento. Tal sistema é objeto de profundas divergências tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Discute-se se o Sistema Price pressupõe ou não capitalização de juros em sua fórmula. O cenário atual é, portanto, de grande insegurança jurídica.

Durante a elaboração do presente artigo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sensível à problemática, incluiu o Recurso Especial 951.894-DF na pauta de julgamentos da Corte Especial, para definição, em sede repetitiva, da legalidade ou não da Tabela Price. A abordagem do assunto pressupõe o entendimento de determinados conceitos jurídicos. Alguns deles são rotineiramente mal compreendidos em nosso meio.

          Os juros, por exemplo, correspondem à remuneração paga pelo capital em um determinado tempo. Representa, portanto, o custo da imobilização de uma unidade de capital por certo período. Sua finalidade é, além da remuneração pelo uso do capital alheio, o pagamento do risco do credor. Já a taxa de juros é a razão entre os juros recebidos (ou pagos) no final de um período de tempo e o capital aplicado ou emprestado.

A capitalização de juros, por sua vez, é um conceito mais amplo na matemática do que no jurídico, embora para ambas as ciências haja capitalização de juros quando estes são integrados ao capital. Na matemática, o pagamento dos juros implica também em capitalização. Em tal ciência exata, capitalização é o simples fato de o capital voltar para quem o emprestou.  A matemática subdivide a capitalização de juros em simples (linear) ou composta (exponencial). Na capitalização simples, a taxa de juros incide somente sobre o capital inicial, não incidindo, portanto, sobre os juros acumulados. Ou seja, a taxa de juros varia linearmente em razão do prazo.

Se tivermos, por hipótese, uma taxa mensal e desejarmos saber a taxa anual, basta multiplicarmos aquela por 12. Se a taxa conhecida for a anual, a mensal será calculada dividindo aquela por 12. Segue tabela exemplificativa, com um capital hipotético de R$ 10 mil e juros de 1% ao mês, aplicado pelo prazo de 6 meses.

 

                       

Mês

Capital no início do mês

Juros de mês

Montante no final do mês

1

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.000,00

2

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.000,00

3

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.000,00

4

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.000,00

5

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.000,00

6

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.000,00

 

Na capitalização composta, a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados (pagos ou não) até o período imediatamente precedente.  No caso, o valor dos juros varia exponencialmente em razão do tempo, ou seja, se altera como se fosse uma progressão geométrica. Segue exemplo com os mesmos parâmetros supra.

 

 

           Mês

Capital no início do mês

Juros de mês

Montante no final do mês

       1

10.000,00

10.000,00 x 0,01 = 100,00

10.100,00

       2

10.100,00

10.100,00 x 0,01 = 101,00

10.201,00

       3

10.201,00

10.201,00 x 0,01 = 102,01

10.303,01

      4

10.303,01

10.303,01 x 0,01 = 103,03

10.406,04

      5

10.406,04

10.406,04 x 0,01 = 104,06

10.510,10

      6

10.510,10

10.510,10 x 0,01 = 105,10

10.615,20

        

Verifica-se, portanto, que, na matemática, capitalização de juros é gênero do qual são espécies capitalização simples e capitalização composta. Para o direito, por sua vez, como já adiantado, o conceito de capitalização de juros é mais restrito. Corresponde apenas ao conceito matemático de capitalização composta de juros. Para esta ciência, ocorre capitalização de juros quando os mesmos (gerados até o período imediatamente anterior) são incorporados ao capital para sobre este (já acrescido) incidir a taxa de juros. Ou seja, quando se verifica a incidência de juros sobre juros que foram transformados em capital.

Tal conceito jurídico de capitalização de juros é extraído do art. 4º, do Decreto 22.626/33 (Lei de Usura), da Súmula 121, do Supremo Tribunal Federal, e da análise dos precedentes desta. Importante ressaltar que, quanto a tal conceito jurídico de capitalização de juros, não se verifica relevante divergência na doutrina.

O sistema de amortização, por sua vez, é o plano a ser seguido no pagamento de empréstimos e financiamentos, onde o valor de cada prestação é formado por duas parcelas, uma correspondente a fração do capital e outra aos juros do período. Estes são sempre calculados sobre o saldo devedor do empréstimo, verificado no período imediatamente anterior, apurado com base na taxa de juros contratada entre as partes.

            Os sistemas mais conhecidos e utilizados na Brasil são: Sistema Price (Tabela Price ou Sistema Francês de Amortização), que corresponde às prestações fixas com parcelas de amortização crescentes e de juros decrescentes; o Sistema de Amortização Constante (SAC), que são as prestações decrescentes, com parcelas de amortização do capital constantes e parcelas decrescentes dos juros; o Sistema de Amortização Misto (SAM), cujas prestações são decrescentes, com parcelas crescentes de amortização do capital e de juros decrescentes; e o Sistema de Amortização Crescente (SACRE), cujas prestações são fixas, com parcelas de amortização do capital crescente e de juros decrescentes.

 

DA TABELA PRICE

            O referido sistema consiste em um plano de amortizações em prestações periódicas (não necessariamente mensais), iguais e sucessivas, dentro do conceito de termos vencidos. Neste, o valor da prestação é composto por uma parcela de juros e outra de capital (amortização). Diz-se conceito de termos vencidos simplesmente em razão de que a parcela de juros é obtida multiplicando a taxa de juros (na periodicidade contratada) pelo saldo devedor do período imediatamente anterior. A partir do conhecimento do valor da prestação, calcula-se o valor da parcela de amortização, pela diferença entre o valor daquela e o da parcela de juros, que, por sua vez, é calculada aplicando-se a taxa contratada ao valor do financiamento.

No segundo mês, os juros incidem sobre o saldo devedor remanescente, pelo período de um mês. E assim sucessivamente. Nesse aspecto, referido sistema de amortização não se difere de nenhum outro, pois o valor dos juros é calculado da mesma forma, ou seja, sobre o saldo devedor do período. Sua característica, peculiar e principal, está na previsão de prestações de igual valor. Para que isso seja possível, sua prestação inicial, comparada com os outros sistemas mencionados, é menor e, portanto, a amortização no início também.

 

DA CAPITALIZAÇÃO OU NÃO DE JUROS NA TABELA PRICE

            A existência ou não de capitalização composta de juros no Sistema Price é, sem dúvida alguma, a questão mais polêmica que envolve o tema. A resposta positiva é o principal fundamento jurídico para a defesa de sua ilegalidade. A capitalização composta de juros é, no direito pátrio, proibida inicialmente pelo art. 4º, do Decreto 22.626/33 (Lei de Usura), na qual é ressalvada a possibilidade de acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

Posteriormente, em 1963, foi editada a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal que prevê ser vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. O vigente Código Civil, por sua vez, através de seu art. 591, fomentou a controvérsia então existente ao permitir a capitalização anual de juros na contratação de mútuos para fins econômicos.

Desta forma, consolidou-se o entendimento de somente aceitar a capitalização de juros, em periodicidade inferior à anual, quando há norma legal que excepcione a regra proibitiva prevista tanto na Lei da Usura quanto no Código Civil. Ou seja, o que o Direito proíbe de forma genérica é a incorporação dos juros vencidos ao capital, em periodicidade inferior à anual.

Em síntese, o argumento negativo sobre a existência de capitalização composta de juros na Tabela Price está no fato de que estes são calculados sobre o saldo devedor remanescente (capital), sobre o qual não são incorporados os juros vencidos. O argumento positivo, por sua vez, reside na afirmação de que, em decorrência do fator exponencial previsto na fórmula para o cálculo da prestação inicial, haveriam juros gerando juros e, portanto, não obstante os juros vencidos não serem incorporados ao saldo devedor, os juros capitalizados de forma composta estariam já inseridos no valor da própria prestação. O complexo quadro jurisprudencial do tema foi assim sintetizado na decisão de afetação do Resp 951.894/DF ao rito repetitivo:

 

A título de exemplo, observo que os TRFs da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Regiões e o Tribunal de Justiça de Alagoas afirmam a legalidade da fórmula da Tabela Price. Por outro lado, os Tribunais de Justiça de Goiás, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe e Santa Catarina entendem ilegal a utilização da referida tabela, tendo este último editado enunciado com o seguinte teor "É ilegal o emprego da Tabela Price nos contratos de mútuo firmados sob o regime do SFH, na medida em que implica capitalização de juros". Anoto que os outros tribunais do País apresentam divergências internas, na medida em que alguns de seus órgãos fracionários consideram ilegal a fórmula da Tabela Price e outros a julgam válida.

 

Entendemos que a questão pode e deve ganhar contornos mais simplórios. Bem compreendido o conceito jurídico de capitalização de juros, a conclusão pela sua existência na Tabela Price não é a melhor. Ora, para o Direito ocorre capitalização de juros quando os mesmos são incorporados ao capital para sobre este (já acrescido) incidir a taxa de juros. A simples análise do funcionamento da Tabela Price demonstra que, ao saldo devedor, não são incorporados juros. Portanto, não há que se cogitar em ilegalidade em tal sistema, decorrente de suposta capitalização de juros.

O Direito em nenhum momento veda a utilização de qualquer fórmula matemática para o cálculo da prestação inicial de um sistema de amortização. O que é vedado é a incorporação dos juros gerados ao saldo devedor, em periodicidade inferior à permitida. Sobre a forma de cálculo dos juros dentro do Sistema Price, devemos relembrar que a mesma é idêntica a dos outros sistemas de amortização e que não há qualquer ilegalidade na cobrança de juros sobre o saldo devedor. Pelo contrário, tanto o próprio conceito de juros quanto o art. 7º, do Decreto 22.626/33 – Lei de Usura, determinam que os juros sejam calculados sobre o capital ou saldo devedor.

Não há também ilegalidade no pagamento mensal dos juros, verificado na prática nos contratos que preveem a Tabela Price.  Embora para a matemática o simples pagamento represente capitalização, para o Direito isto não ocorre, não representando qualquer ilegalidade. Pelo contrário, o pagamento mensal dos juros é, inclusive, determinado na legislação (arts. 6º da Lei 4.380/64 - Lei do Sistema Financeiro da Habitação; e 1º, da Lei 4.864/65 - Lei de Estímulo à Construção Civil).

Especialmente no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, há situações em que o valor da prestação se torna insuficiente para pagar até mesmo a parcela de juros da mesma, caracterizando a amortização negativa. Nesses casos, algumas instituições financeiras, acrescem ao saldo devedor referido valor residual dos juros não pagos. Nessa circunstância, se verifica a capitalização composta de juros. Todavia, a mesma não é decorrente da Tabela Price, mas de uma prática da instituição financeira. Desta forma, a capitalização de juros na Tabela Price somente ocorre quando, na ocasião de amortização negativa, os juros não pagos são incorporados ao saldo devedor.

Não há que se falar em ilegalidade da Tabela Price por suposta capitalização de juros, uma vez que em tal sistema os juros não são incorporados ao saldo devedor. O que a lei veda é exatamente tal incorporação (em período inferior ao legalmente permitido). O raciocínio no sentido de existência de juros sobre juros na própria prestação exorbita a ilegalidade prevista na lei.    

 

 

BIBLIOGRAFIA

DEL MAR, Carlos Pinto. Aspectos jurídicos da Tabela Price. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001. 176 p.

FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Tabela Price & capitalização de juros. Curitiba: Juruá, 2006. 201 p.

PENNA, Edson de Queiroz. Tabela Price e a inexistência de capitalização. Porto Alegre: AGE, 2007. 148 p.

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros no Direito brasileiro. 2. ed. rev., atual. e ampl.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 461 p.

 

Por Dr. Arthur Rios Júnior

Sócio da Arthur Rios Advogados desde 2006⁣⁣

Graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG)⁣⁣

Especialista em Direito Civil e Processual Civil, Universidade Cândido Mendes⁣⁣

Especialista em Direito Corporativo (LL.M.), Ibmec⁣⁣

Especialista em Direito Tributário, Ibet⁣⁣

Co-autor "Manual De Direito Imobiliário" (Juruá)⁣⁣

Vice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, 2013/2015⁣⁣

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, Subseção de Aparecida de Goiânia, 2016/2018⁣⁣

Árbitro na 2ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Goiânia de 2014 a 2019⁣⁣

Conselheiro Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil desde 2014⁣⁣

Atual Diretor em Goiás do Instituto Brasileiro De Direito Imobiliário (Ibradim)⁣⁣

Atual Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAG/GO

Atuação no Direito Imobiliário e da Construção desde 2001.⁣⁣

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