Riscos no investimento em incorporações irregulares em Goiânia
Arthur Rios Júnior alerta para o crescimento de empreendimentos tocados por empresas que não são o que dizem ser e atuam sem proteção garantida pela lei
Incorporação imobiliária é definida, de acordo com o artigo 28 da lei nº 4.591/64, como “atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”. Em outras palavras, venda de imóveis na planta, isto é, que ainda serão construídos.
Segundo a referida lei, o incorporador é aquele que, mesmo não efetuando a construção, executa vendas de unidades e se responsabiliza pela “entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas”, podendo ser pessoa física ou jurídica.
O entendimento dos conceitos em questão é necessário para compreender o que o advogado Arthur Rios Júnior, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Subseção de Aparecida de Goiânia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), disse ao Jornal Opção no tocante aos possíveis riscos enfrentados por consumidores que investem em incorporações imobiliárias cuja atuação se dá de maneira irregular.
O advogado afirma que, em Goiânia, pode haver estruturas jurídicas de cooperativas habitacionais e de sociedades que não são o que dizem ser. “São incorporações a preço de custo, porque existe a figura do incorporador por trás do processo, independentemente de registrar o memorial de incorporação ou não.”
Diretor estadual do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), Arthur Rios Júnior explica que cooperativas habitacionais têm uma outra característica. Tratam-se de entidades sem fins lucrativos, que prestam serviço aos próprios cooperados, sendo eles os donos da obra. A lei do cooperativismo, nº 5.764/71, em seu artigo 78, deixa claro que o “ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”.
Já um contrato de sociedade por meio de Sociedade em Conta de Participação (SCP) prevê a união de pessoas para exercer uma atividade econômica com a intenção de obter lucro. A relação entre as partes, neste caso, deve ser com o interesse de se tornarem sócias. Há duas modalidades de sócio em uma SCP: o ostensivo, que aparece nas negociações com o terceiro, e o participante — anteriormente chamado de oculto —, que fornece capital e não aparece externamente.
Coautor do livro “Manual de Direito Imobiliário”, o advogado argumenta que a prática de desvirtuar o instituto jurídico é ilegal, ou seja, dizer ser uma coisa, mas, na verdade, ser outra. “Há, sim, ilegalidade em usar uma roupagem e, na essência, ser outra coisa.”
Ademais, ressalta Arthur Rios Júnior, se a cota de SCP é vendida no mercado aberto sem antes passar pela Câmara de Valores Mobiliários (CVM), configura-se mais uma infração, desta vez à lei do mercado de valores mobiliários (nº 6.385/76).
Custo maior
Arthur Rios Júnior esclarece que, na lei nº 4.591/64, há uma série de mecanismos de proteção do empreendimento, como na eventualidade de o incorporador falir. “Em um contrato de sociedade ou de cooperativa, não há como usufruir desta proteção.”
Na prática, isso significa que o consumidor pode arcar com custos maiores. Pela lei de incorporação, quando se trata de uma obra a preço de custo, existem as vendas ocorridas e o estoque. Se o incorporador decide dar seguimento ao negócio com um porcentual de unidades não vendidas, é ele quem deve assumir os custos desse estoque, senão o prédio não termina.
Nas estruturas societárias e de cooperativa, não há tal responsabilização, haja vista que a figura do incorporador inexiste e o estoque acaba tendo que ser arcado pelos próprios compradores, tornando o processo mais dispendioso, podendo, inclusive, inviabilizá-lo. “Conheço casos nos quais, por não assumir a responsabilidade pelo estoque, a empresa fez com que os adquirentes pegassem dinheiro a juro, gerando um custo maior”, pontua o advogado.
Portanto, os prejuízos podem advir se o empreendimento tiver algum problema, uma vez que os mecanismos da lei de incorporação que tutelam os compradores não estarão disponíveis, o que dificulta a retomada da obra em caso de suspensão. Há, desta forma, o risco de o processo produtivo ser parado no meio e as unidades não serem entregues como previsto.
Além disso, nota-se um prejuízo na ocorrência de algum acidente de trabalho, que, no caso de cooperativas habitacionais e contratos de sociedade, é do próprio comprador. “Estão assumindo um risco que não deveria ter nada a ver com eles. As pessoas não entendem essas diferenças e acabam entrando neste tipo de negócio”, assinala Arthur Rios Júnior.
Outra consequência oriunda desta prática é a concorrência desleal, pois os custos são mais baratos do que numa incorporação tradicional. “Se não há o registro do memorial de incorporação, tem-se um custo a menos. Se o comprador não arcar com o estoque, ele também vai estar competindo de uma forma diferente em relação àquele que está arcando”, explica.
O advogado alerta para o fato de as pessoas serem atraídas por preços baixos e não se preocuparem com maiores questões técnicas relativas ao assunto. “A princípio, estes empreendimentos estão sendo benefícios e, por isso, estão se alastrando. Até o momento em que acontecer algum problema.”
Bancoop
O caso da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) é um dos mais conhecidos do Brasil por ter sido alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em razão de transações bancárias realizadas pelo grupo a fim de beneficiar o caixa dois do PT durante campanhas eleitorais.
A Bancoop é responsável pelo tríplex do Guarujá, imóvel que levou à condenação do ex-presidente Lula da Silva (PT) pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Em 2010, a cooperativa faliu e os empreendimentos foram negociados com construtoras, como a OAS.
Reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 25 de março de 2010, assinada por Gustavo Uribe, mostra os prejuízos causados pela falência da Bancoop. De acordo com o advogado Valter Picazio Júnior, 8.500 famílias foram lesadas, das quais cerca de 3 mil nem sequer receberam os imóveis.
É necessário que os cooperados estejam conscientes dos riscos que o negócio pode ter, além de solicitar documentos (ver página seguinte) que comprovam a legalidade do empreendimento, conforme dispõe o artigo 32 da lei 4591/64.
Documentos que o consumidor deve solicitar para se proteger
- Título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado;
- Certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativos ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;
- Histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;
- Projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;
- Cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída;
- Certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições;
- Memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei;
- Avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acordo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;
- Discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;
- Minuta da futura convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto
de edificações; - Declaração em que se defina a parcela do preço de que trata o inciso II, do art. 39;
- Certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do art. 31;
- Declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34);
- Atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no País há mais de cinco anos;
- Declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos.
https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/advogado-aponta-riscos-no-investimento-em-incorporacoes-irregulares-em-goiania-117910/
Por Dr. Arthur Rios Júnior
Sócio da Arthur Rios Advogados desde 2006
Graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG)
Especialista em Direito Civil e Processual Civil, Universidade Cândido Mendes
Especialista em Direito Corporativo (LL.M.), Ibmec
Especialista em Direito Tributário, Ibet
Co-autor "Manual De Direito Imobiliário" (Juruá)
Vice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, 2013/2015
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, Subseção de Aparecida de Goiânia, 2016/2018
Árbitro na 2ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Goiânia de 2014 a 2019
Conselheiro Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil desde 2014
Atual Diretor em Goiás do Instituto Brasileiro De Direito Imobiliário (Ibradim)
Atual Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAG/GO
Atuação no Direito Imobiliário e da Construção desde 2001.